EDITORIAL – 10 a 0: As regras confirmadas e os discursos à prova

EDITORIAL – As regras confirmadas e os discursos à prova

A decisão do Supremo Tribunal Federal, por 10 a 0, reafirmando o critério de desempate por idade na eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Maranhão, encerra um ciclo que se arrastou por mais de um ano — e que expôs contradições marcantes no campo político maranhense.

A ADIN que travou o processo foi ajuizada pelo Solidariedade, então comandado por Othelino Neto, e pelo PCdoB de Márcio Jerry. Partidos que, naquele momento, representavam exatamente os grupos que participaram da votação que estabeleceu o mesmo critério que agora questionavam. Todos homens, todos defendendo que a regra era inconstitucional, embora tivessem concordado com ela quando ainda lhes interessava politicamente. A disputa, na prática, não era sobre “princípios”, mas sobre a derrota sofrida na eleição interna.

Othelino, que já presidiu a Casa por dois mandatos, não aceitou o resultado. E, pela primeira vez em quase 200 anos, uma mulher precisou enfrentar não uma, mas três eleições para validar uma vitória que já era legítima desde o início. Foi preciso que o STF dissesse o óbvio: as regras estavam claras, foram votadas e deveriam ser respeitadas.

Nesse cenário, Iracema Vale acabou se tornando um símbolo maior do que imaginava. É a primeira mulher mais votada da história da Assembleia, a primeira a presidir a Casa em quase dois séculos e agora a primeira a resistir a um processo judicial tão longo para assegurar um direito adquirido. Fez isso mantendo a linha, o diálogo e um estilo de liderança que destoa — positivamente — de um ambiente muitas vezes marcado por disputas de força e vaidade.

O episódio escancara a distância que ainda existe entre discurso e prática quando o assunto é respeito às mulheres nos espaços de poder. Não basta falar em igualdade, defender pautas de gênero ou posar ao lado de bandeiras progressistas. É preciso reconhecer, na prática, que mulheres podem e devem ocupar postos historicamente monopolizados por homens — sem serem submetidas a testes de resistência que jamais seriam impostos a eles.

O julgamento do STF não devolve apenas a estabilidade institucional à Assembleia. Ele reafirma que a política precisa ser jogada com coerência, e não conforme a conveniência de cada momento. E mais: demonstra que, apesar das pressões e tentativas de reversão, Iracema Vale consolidou seu espaço não por ser exceção, mas por representar uma mudança real na forma de conduzir e compreender o papel do Parlamento.

As regras do jogo foram confirmadas.

Resta saber quantos estão dispostos a jogá-las com respeito — inclusive quando uma mulher lidera a partida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  • Publicidade

  • Participe